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Calou-se mais uma voz na América Latina

Publico aqui o e mail que recebi do meu filho:

“Inconsolável, é assim que me sinto ao saber da morte de Eduardo Galeano. Não se trata de negar o natural, morrer faz parte da dialética da vida, permeia toda nossa existência, entretanto a perda de seres humanos como Eduardo sempre se fazem sentir.

Fui apresentado ao escritor e dublê de jornalista Eduardo Galeano através das páginas de As veias abertas da América Latina, e foi paixão à primeira vista, uma paixão devoradora, que me fez reler por mais duas vezes, que me fazia chegar em casa e contar para todos o mundo que descobria na minha frente, talvez a mesma paixão que anos depois ele mesmo explicaria que ‘Em três meses, em noventa noites, escrevi As veias abertas da América Latina. Foi o resultado de muitas leituras e muitas viagens, cóleras, amores, assombros. E, sobretudo, foi o resultado de muitas dúvidas: a fecunda dúvida, sempre grávida.’[1]. Queria que todo mundo o descobrisse aquele mundo, queria que todo mundo entendesse o livro que mudara minha vida. Passei a procurar cada vez mais coisas sobre a vida de Galeano, passei a procurar cada vez mais livros escritos por ele, artigos, notícias e vídeos.

Adquiri Dias e noites de amor e de guerra e agora passando os olhos por minhas marcações, encontro a palavra ‘genial’ ao lado do pequeno texto chamado ‘Guerra da rua, guerra da alma’[2] detalhando um sentimento ao ler. Lembro também de quando comprei O livro dos abraços e dei de presente para uma grande companheira minha, na ideia de que não faltassem mais abraços em nossa relação. Fui presenteado depois com O teatro do bem e do mal por essa mesma companheira, com Futebol ao sol e à sombra[3] por um grande amigo o qual retribuí com As veias[...], e com Mulheres que me deleita com suas sentimentalidades em um amigo secreto de fim de ano.

Infelizmente por falta de dinheiro e pelas mudanças de prioridades não pude adquirir as outras obras de Eduardo. Infelizmente pela falta de dinheiro e prioridades nunca pude ir a Montevidéu para lhe agradecer pela sua obra. Infelizmente, hoje, 13 de maio de 2015, Galeano faleceu vítima de câncer de pulmão. Infelizmente, hoje morreu um pedaço de mim, na certeza de que o ideal de conhecer o escritor de As veias abertas da América Latina, não se concretizará. Pois assim são os sonhos, quando eles morrem, morre também um pedaço nosso. Deixo aqui a frase que mais me marcou das obras de Eduardo, extraída de um prefácio atualizado de As veias[...] ‘A história não quer se repetir – o amanhã não quer ser o outro nome do hoje.’[4] Na certeza que não só eu estou inconsolável, mas todos os humanistas e todos que lutam por um mundo mais justo também estão com esse mesmo sentimento.”

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[1] GALEANO, Eduardo. A descoberta da América (que ainda não houve). 2° edição, Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 1990, p.48.

[2] “Quantas vezes fui um ditador? Quantas vezes um inquisidor, um censor, um carcereiro? Quantas vezes proibi, aos que mais queria, a liberdade e a palavra? De quantas pessoas me senti dono? Quantas condenei pelo delito de não serem eu? Não é a propriedade privada das pessoas mais repugnante que a propriedade das coisas? A quanta gente usei, eu, que me acreditava tão à margem da sociedade de consumo? Não desejei ou celebrei, secretamente, a derrota dos outros, eu que em voz alta me cagava no valor do êxito? Quem não reproduz, dentro de si, o mundo que o gera? Quem está a salvo de confundir seu irmão com um rival, e a mulher que ama com a própria sombra?” GALEANO, Eduardo. Dias e noites de amor e de guerra. Porto Alegre: L&PM, 2008, p.188.

[3] O livro identifica a Holanda como a seleção mais latino-americana da Copa de 98. GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 213.

[4] GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2010, p.5.

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