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Entrevista com a produtora cultural Sônia Zanchetta


Quando se fala em cultura em Cachoeirinha, é impossível não lembrar da figura de Sônia Zanchetta. Não conheço pessoa mais comprometida e engajada que esta mulher nos diversos segmentos culturais. A Sônia pensa (e trabalha) cultura 24 horas por dia. Ela é capaz de mandar e-mail aos amigos às três horas da matina para compartilhar uma ideia, fazer planos ou arquitetar alguma atividade para tornar esta cidade mais acolhedora, leitora e culturalmente ativa.

Para quem não conhece Sônia Zanchetta (quem não a conhece na cidade?), ela é jornalista, produtora executiva da área infantil e juvenil e internacional da Feira do Livro de Porto Alegre desde 1997; ativa no Conselho de Cultura da cidade; membro da associação dos amigos da Biblioteca Pública Municipal Monteiro Lobato; idealizadora e mantenedora da Quitanda da Leitura e Piquenique da Leitura (projetos que colocam o livro no caminho da nossa gente); membro fundadora do Grupo Porta Aberta (que promove eventos culturais na cidade); colunista do Diário de Cachoeirinha e, juntamente com outros voluntários, criou e mantêm, o ponto de leitura Sol e Lua na Praça Telmo... e por ai vai.

Durante muito tempo, foi proprietária da livraria “Leituras e Gostosuras” que, além de vender bons livros, promovia encontros culturais como saraus literários e poéticos, debates filosóficos, shows musicais e muito mais. A casa tornou-se referência na cidade por estes encontros e por promover a cultura nesta cidade ainda hoje tão carente de espaços onde as pessoas possam debater e assistir um bom evento cultural nas suas inúmeras vertentes. Artistas talentosos nós temos. O que falta mesmo, é oportunidade (e locais, claro) para este pessoal todo se apresentar.

Onde tem atividade cultural na cidade, pode estar certo, tem o dedo desta mulher batalhadora e incansável. Por estes, e por inúmeros motivos, resolvi realizar esta entrevista exclusiva com a produtora cultural e minha querida amiga, Sônia Zanchetta.

Aproveito a oportunidade para agradecer a Sônia por abrir espaço na sua concorrida agenda para nos conceder esta entrevista exclusiva.

Juventude em Ação: Sabemos que você tem grandes preocupações com a cultura no município e que boa parte do seu tempo é dedicada a estas questões de tornar a cidade mais acolhedora e tudo mais. Neste particular, quais seus projetos culturais para Cachoeirinha nos próximos anos?

Sônia Zanchetta: O meu envolvimento com a Cultura, em Cachoeirinha, começou quando meus filhos e eu nos mudamos de Porto Alegre para cá, mais precisamente para o Parque Espírito Santo, no ano 2000. Naquela época, não havia nenhum espaço de leitura na Zona Norte e logo minha biblioteca foi colocada à disposição da vizinhança.

Com o tempo, fui doando meus livros, com exceção de uns 30 e poucos que ainda preservo, a outros leitores. No mesmo ano, fui à Secretaria de Educação e me coloquei à disposição para colaborar na organização da Feira do Livro.

Desde então, tenho concentrado minhas energias na área da leitura e, em 2011, esse trabalho deu origem ao projeto Quitanda da Leitura, que foi contemplado, em 2014, com recursos do Concurso Mais Cultura/Pontos de Leitura, do Ministério da Cultura, realizado em Cachoeirinha por meio da Secretaria da Cultura.

Atualmente, o Quitanda abastece, entre outros projetos e espaços, o Piquenique da Leitura e o Ponto de Leitura Sol e Lua, cujas equipes de voluntários integro.

Lá no Ponto de Leitura, que funciona junto à Associação de Moradores do Bairro Carlos Wilkens, na Praça Telmo da Silveira Dornelles, estamos desenvolvendo um trabalho em que acredito muito e com o qual pretendo estar envolvida por um bom tempo. Além de promover a leitura, estamos tratando de que a Praça, que estava bastante vandalizada, torne-se cada vez mais bonita, segura e acolhedora, com o que a comunidade voltou a frequentá-la e está se corresponsabilizando pelo seu cuidado.

Para que um espaço público não se deteriore, é preciso ocupá-lo com ações culturais, esportivas e de lazer, entre outras, e transformá-lo em um ponto de convivência social. Entre outras iniciativas, já realizamos por lá o Praça Telmo em concerto, com a Orquestra Engrenagem e piquenique noturno; duas edições da Feira da Praça Telmo - Arte, Artesanato, Petiscos e Objetos Usados e iniciamos, recentemente, o ciclo de oficinas gratuitas Todo Mundo Pode.

Juventude em Ação: Como você definiria a cena cultural do município?

Sônia Zanchetta: A Casa do Leite, que foi reaberta recentemente, abrigará oficinas culturais, exposições e outras atividades e espera-se que, ainda este ano, esteja concluída a primeira etapa da obra da Casa da Cultura. Estes equipamentos são essenciais para o desenvolvimento da Cultura no Município, pois, atualmente, boa parte do orçamento da SMC é destinada à montagem da infraestrutura dos eventos realizados no Parcão, como o Verão Cultural e a Feira do Livro, ou em outros locais, como os shows da Colheita da Macela e a Ronda Crioula.

Agrada-me ver a ampliação do espaço para os artistas locais, nos eventos da cidade, e há várias outras questões em que também avançamos, mas para que a Cultura realmente deslanche por aqui é essencial que contemos com um planejamento estratégico e um orçamento maior e mais seguro, pois em várias ocasiões em que foi necessário cortar custos, na administração municipal, a Cultura foi penalizada.

De acordo com as diretrizes da 4ª Conferência Municipal da Cultura, realizada em agosto de 2013, técnicos da Secretaria da Cultura elaboraram minuta do Plano Municipal da Cultura, de caráter decenal, que deve ser, agora, debatido com a comunidade e implementado. Esta é um de vários passos a serem dados para que Cachoeirinha institua o Sistema Municipal de Cultura e possa se integrar plenamente ao Sistema Nacional, o que é indispensável, entre outras questões, para que o Fundo da Cultura de Cachoeirinha - Fucca possa vir a receber repasses do Fundo Nacional da Cultura. Tudo isto é urgente e inadiável para que a cena cultural possa se fortalecer por aqui.

Juventude em Ação: Casa do Leite, Casa de Cultura e o projeto da nova Biblioteca Pública Monteiro Lobato. Em que pé está tudo isso? Quando a população vai ter acesso a estes espaços e realmente se produzir cultura de forma mais contínua na cidade?

Sônia Zanchetta: O Memorial e Espaço Cultural Casa do Leite foi reinaugurado no dia 27 de março, após um período de cerca de três anos em que esteve semi-interditado em função de problemas estruturais. Gostei muito dos resultados da obra: tudo está mais bonito, funcional e acessível. Além de oferecer espaços para oficinas, exposições e outros eventos, a Casa do Leite passa a contar com um ateliê e uma técnica em Artes Visuais, o que demonstra a disposição da SMC de impulsionar um segmento da Cultura que não vinha merecendo a devida atenção. Mas me preocupa o fato de ainda não se ter dotado a nova Casa do Leite de condições e equipe técnica para que se cumpra uma de suas funções essenciais. De acordo com a lei 3.117, que a instituiu em 3/12/2009, a Casa do Leite é um espaço museológico dedicado à pesquisa, preservação, gestão e comunicação do patrimônio histórico, de memória e da história de Cachoeirinha, razão pela qual foi aceita sua integração ao Sistema Estadual de Museus e ao Sistema Brasileiro de Museus. Isto me parece essencial, pois estamos muito atrasados na área do Patrimônio Cultural. A Lei do Tombo (Lei 2107), promulgada em 2002, jamais saiu do papel e nossos prédios históricos se perdem a olhos vistos. Espero realmente que não venha ocorrer o mesmo com a Casa dos Batista, construída na primeira metade do século XIX, na área conhecida atualmente como Mato do Júlio, pois, de acordo com especialistas, trata-se de uma das mais importantes construções açorianas do Estado, tanto por sua antiguidade, como por seu estado de conservação. E quem conhece seu interior garante que se trata de um "museu prontinho" com móveis e utensílios de época.

Quanto à Casa da Cultura, gosto da ideia de se criar o principal espaço cultural da cidade em um prédio histórico, que abrigou um dos mais antigos armazéns de secos e molhados da cidade. Também me agrada o fato de aquela construção ser a primeira que se vê, do lado esquerdo da ponte, quando se entra em Cachoeirinha, talvez pelo meu desejo de ver a Cultura em lugar de maior destaque por aqui. E o fato de o prédio estar diante do Rio Gravataí também abre, a meu critério, várias possibilidades.

Após alguns percalços que culminaram com a perda da emenda parlamentar obtida para a realização da obra, a Prefeitura anuncia que reformará o prédio mais antigo (há, além dele, três galpões) este ano, com recursos próprios. Torço para que tudo saia bem e para que, em breve, tenhamos um espaço mais para a produção e a fruição da Cultura na cidade e o primeiro teatro de Cachoeirinha, que é uma reivindicação antiquíssima, não só dos artistas, mas de toda a comunidade.

Neste cenário, imagino que a construção de um novo prédio para a Biblioteca Pública Municipal, embora necessária — pois o prédio atual carece de acessibilidade, funcionalidade e de espaço para a ampliação do acervo —, não será priorizado tão cedo.

Juventude em Ação: Em 2014 não tivemos a Feira do Livro que volta, felizmente, em 2015 tendo como patrono já confirmado o escritor Luiz Fernando Veríssimo. O que vai rolar este ano de atividade na Feira do Livro além das barracas dos livreiros e os descontos na venda de livros?

Sônia Zanchetta: Foi muito triste, para mim, ver a Feira do Livro, um dos eventos culturais mais tradicionais da cidade, ser penalizada, em 2013, com o enxugamento de sua programação e divulgação e sua transferência para a Praça da Juventude, que, embora ofereça uma excelente estrutura, não tem a localização estratégica do Parcão. E, em 2014, quando tudo parecia acertado, fomos surpreendidos com seu cancelamento a menos de dois meses de sua realização.

Espero que a 28ª edição da Feira do Livro, que ocorre de 9 a 17 de maio, nos faça esquecer esses mal-estares. A programação ainda não foi divulgada pela Secretaria da Cultura, mas, pelo que conheci dela até agora, posso dizer que será bem variada.

Juventude em Ação: O que você está lendo atualmente? Que livros recomenda aos leitores do site Juventude em Ação?

Sônia Zanchetta: Em função do acervo do projeto Quitanda da Leitura, que funciona na minha casa, acabo lendo muitos livros que jamais procuraria em uma livraria ou em uma biblioteca. Finalizei, há pouco, a leitura da biografia de Mark Twain, doada por algum parceiro. Gostei tanto de saber de onde surgiram os personagens, os cenários e as histórias dos livros As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de Hucleberry Finn, devorados na adolescência, que decidi relê-los, o que estou fazendo neste momento.

Em vez de recomendar títulos, sugiro aos leitores do site Juventude em Ação que visitem a JovemTeca, no Ponto de Leitura Sol e Lua, cujo acervo foi construído a partir das sugestões de jovens que frequentam a Praça Telmo e está integrado por gibis, mangás, livros de HQ, biografias de roqueiros, best-sellers e livros de literatura fantástica, entre outros.

Juventude em Ação: O que se pode fazer para tornar Cachoeirinha uma cidade mais acolhedora?

Sônia Zanchetta: Cidades que se desenvolvem ao longo de vias que servem de passagem entre outros municípios, como a Flores da Cunha, merecem um planejamento urbanístico especial, para que não se tornem pouco acolhedoras. Foi por isto que protestei muito quando acabaram com o Calçadão, que, de certa forma, fazia as vezes da praça central que não temos. Na minha opinião, o que se deveria ter feito, na ocasião, diante das reclamações de comerciantes e moradores da vizinhança com relação a badernas e consumo de drogas que estariam ocorrendo por ali era acabar com esses problemas e não com um dos únicos espaços de convivência social da área central da cidade.

A carência de opções culturais, gastronômicas e de lazer, que levam muitos moradores a se deslocarem a cidades vizinhas, sobretudo nos fins de semana, é outra questão que precisa ser enfrentada, se bem que, nos últimos meses, abriram, por aqui alguns cafés e bares simpáticos.

Imagino que, quando sair do papel o projeto de revitalização da Flores da Cunha, todo o comércio ali estabelecido será beneficiado e outros empreendedores se animarão a se instalar, por aqui, nas áreas em que somos deficientes. Sonho com Cachoeirinha mais bonita, mais verde e mais alegre. Por que não?

Foto: Arlise Cardoso

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